nono
No alto vi-a. Era uma imagem perfeita,
uma figura incontornável. Seguia-a com o meu olhar. Movia-se graciosamente. Uma
folha, solta, desprendida da sua árvore, a flutuar ao sabor do vento nos
primeiros dias de outono. Deliciava-me com o seu andar, imaginava-me ao seu
lado, segurando-lhe a mão, afagando os seus dedos, entrelaçando-os nos meus.
Imaginava-nos lado a lado, a sorrir e a confidenciar o nosso amor. O nosso amor
que não existia. Que nunca tinha sido uma realidade. Mordia os meus lábios à procura
do beijo que nunca tinha recebido. Sabia de cor o sabor dos seus lábios, sem
nunca a ter beijado. Demagogia pura ou imaginação. Não interessa. Não nego este
sentimento unilateral, não o nego. Não o nego. Era capaz de mostrar a minha
boca marcada pelos beijos que nunca recebi. Mas sentia-os. Sentia-os como se
fossem verdade. Como se fossem reais. Como se as nossas bocas ainda estivessem
ligadas naqueles beijos. Seguia naquele ritmo calmo. Passo ante passo seguia e
eu segui-a com o meu olhar. Só com o olhar, até a perder de vista. Até desaparecer
após passar uma esquina. Fechei os olhos e continuei a segui-la. Continuei a
seguir-te. Era eu, não tu.
Cláudio Barradas
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