Songs of lust and lost
A demanda da paz
Era eu, não tu.
Descendo ao infinito do
possível, corria como um louco por ti. Abraçava-te. Não satisfeito, calcava o
solo em busca de força. Lá, singrava e fluía, crente em nós, na nossa mera
possibilidade. Continuava. Perscrutava o intangível poço que nos separa,
enchendo-o de mim. De nós. Nada sobraria no desespero. Calcorreava o solo,
percorrendo-o ferozmente e sangrava. Repelia o veneno que me corria nas veias.
Coloria-o de preto, afagava a sua espessura maligna, transformando-o em mel. De
fel. Mais não era que a esperança escorrida e esculpida de um devaneio finado.
Um soluço tremente, temente a ti. Só a ti. Grassava, disseminando-se, a fúria
provocada pelo afastamento coercivo. Via ao fundo a acalmia. Ansiava por ela.
Na impossibilidade tremia.
Sinto-o agora. Abriam-se as nuvens, dissipando-se sobre a minha cabeça. Com
esforço, olhava para cima vendo-o aparecer. São mais alegres as manhãs com sol.
Tal acontecimento não resfriava o meu desânimo. Tangente ao solo aplainava um
abutre, olhando-me de soslaio. Não me afectava a obliquidade da situação,
estava acostumado com o contemplar alheio. O desgaste em (de) mim era forte e
dominava-me, insurgindo-me contra a surpresa. Habitava-me a tua imagem, bela e
desoladora. Forte e fraca. Fraca de amor. Por mim.
Protegia este amor como se
de um sonho se tratasse. Um tesouro alojado no meu peito, consagrado na minha
pele. A pérola, única, escondida no remoto mais profundo do oceano mais vago.
Uma preciosidade da alma, corroída pela erosão dos tempos idos. Presentes. Um
pesadelo. Desembrulhava-o diariamente com temor. Brilhava ao aparecer mas era
fugaz. Não obstante, martelava-o constantemente com propósito. Tal não era
suficiente. Parecia que não. Sentia que não. Brindava este sentimento com a
persistência da novidade, rindo ao confrontá-lo. Sorrindo ao perde-lo. Não
havia dor nesta perda. Não há dor em nenhuma perda, depois de assumida.
Soluçava por perder-te.
A inconstância do
sentimento habitava-me. Uma nebulada aura cingia-me à brutidão da inércia
admitida. Perscrutava a alma à tua procura, não te encontrava. Noites infinitas
de insónia surgiam como heroínas do meu tempo. Do meu tempo acordado. No
entanto, não prescindia de fechar os olhos. Era assim que sonhava, acordado. No
sonho, uno e corrido, imaginava-nos normais, uso corrente, de formas distintas.
Acertávamos os dias que passaríamos, acordando num futuro que aspirávamos. Era
monogâmico este sonho, cingido ao pesadelo da solidão de ti.
Era mais um dia. E outro,
e outro. Passava o tempo, louco tempo de amar e não ser amado. Ripostava com
uma energia avassaladora. Dormitava sobre o tempo que corria, não parava de
correr. Estagnado estava o sentimento não retribuído. Tanto querer para nada
ter. Tanto abrir de olhos para muito olhar fechado. Tanta floresta verdejante
para tanto bosque cerrado. Ervas daninhas cresciam e proliferavam no tempo,
consumindo-o e contaminando o tempo que sobrava. Quase nada. Dia após dia, hora
após hora e minuto após minuto. Tudo passava, tudo corria. Dispendioso tempo
que consumia o tempo, sem nada.
Era assim a sinergia do
tempo: a cooperação na vida. Tempo foi em que rebolava na erva, absorto na
felicidade indirectamente sentida e directamente colocada. Tempo de obra feita,
sem nada para construir. Erguia-me todos os dias, como um diásporo fortemente
plantado. Possuía-me uma aura empática de mim. Sobre mim. Era tudo sobre mim e
só acerca de mim. Eu e eu. Estaticamente dirimido, solucionava-se só. O tempo.
Passando, não correndo. Era a sua maior característica, o forte metabolismo
imbuído na sua alma. Movia-o numa dança majestosa, triunfal, transparente. Não
se dava por ele, o tempo.
Aparentemente estava
sóbrio. Metido em mim. Soluçava de vez em vez, acometido à privação do
sentimento. Expulsara-o de mim. Abstinha-me de ser, estar e sentir. Tinha de
ser assim. Ao inspirar, profundamente, invadiu-me um ligeiro aroma de frutos
silvestres. O nada, vazio, oco, cheirava a frutos silvestres. Sabias? Eu não.
Aprendi. Era um aroma prazeiroso, constantemente. Ajudava-me a recompor em
esboços caracterizados de um regozijo estável. Ficava assim, neste estado.
Fazia por ficar assim: num soluçar intermitente e com aroma a frutos
silvestres.
Numa dada manhã, sem
conseguir precisar quando, ao acordar, abri um olho. Depois o outro. Não era
igual a visão dos dois olhos abertos. Sentia fortes espasmos visuais que se
manifestavam unicamente com os dois olhos abertos. Voltava a fechar um, depois
o outro. Aí via bem, só com um olho. O que se passava? Perguntava-me. A normalidade
da visão sucumbia, estranhamente, à dualidade da vista. Resolvi tapar um olho.
Coloquei uma pala à frente do olho, presa por um fio em torno da cabeça. Escura
e opaca, algo desconfortável. Experimentava num olho e depois no outro.
Acostumava-me à comodidade da facilitação da visão. Nesse momento, de
experimentação, somente com um olho descoberto, via bem. Sem dores e espasmos
nebulados. Sugava as dioptrias que teimosamente me acompanhavam à muito tempo.
Trucidava a miopia.
As lágrimas não corriam
nos meus olhos. A constante negação erguia barreiras à sua formação. Opunha-me
veementemente à sua mera existência. Tal, não era opção. Não para mim. A tal
não me permitia. Paralelamente à minha vontade, imiscuía-se uma réstia de
realidade. Esta, sodomizava-me as ideias barricadas na minha mente. Tão pomposa
parecia esta promíscua dicotomia. Era somente a realidade a lutar com a
fantasia, com o imaginário. Agora sei. O crepúsculo divino da sobriedade
maquiavélica que se mostrava presente e dizimava os meus ideais. Imaginários.
No alto vi-a. Era uma
imagem perfeita, uma figura incontornável. Seguia-a com o meu olhar. Movia-se
graciosamente. Uma folha, solta, desprendida da sua árvore, a flutuar ao sabor
do vento nos primeiros dias de outono. Deliciava-me com o seu andar,
imaginava-me ao seu lado, segurando-lhe a mão, afagando os seus dedos,
entrelaçando-os nos meus. Imaginava-nos lado a lado, a sorrir e a confidenciar
o nosso amor. O nosso amor que não existia. Que nunca tinha sido uma realidade.
Mordia os meus lábios à procura do beijo que nunca tinha recebido. Sabia de cor
o sabor dos seus lábios, sem nunca a ter beijado. Demagogia pura ou imaginação.
Não interessa. Não nego este sentimento unilateral, não o nego. Não o nego. Era
capaz de mostrar a minha boca marcada pelos beijos que nunca recebi. Mas
sentia-os. Sentia-os como se fossem verdade. Como se fossem reais. Como se as
nossas bocas ainda estivessem ligadas naqueles beijos. Seguia naquele ritmo
calmo. Passo ante passo seguia e eu segui-a com o meu olhar. Só com o olhar,
até a perder de vista. Até desaparecer após passar uma esquina. Fechei os olhos
e continuei a segui-la. Continuei a seguir-te.
A madrugada vinha tarde.
Tardava sempre, em conluio com a insónia. Os primeiros raios de sol apareceram
com uma timidez exposta na sua demonstração. Era tímido o sol da nossa vida.
Era tímida a nossa vida ensolarada. Havia sempre algo perturbante por detrás da
sua aparição. Porventura, o segredo do seu embaraço. Seria a sua reticência
fruto da indecisão da vida? Talvez. Na realidade, a madrugada vinha tarde,
sempre tarde. Tal acontecia todos os dias, sem exceções. A minha vigília era
sempre até de manhã. Não tinha a capacidade de um sono regular. Creio até que
não o fazia há tempos. O ter um sono regular. Essa era a faculdade de alguns,
não de todos. A nossa mente encarcera-nos na atenção e na consequente
insonolência. Somos fruto das nossas opções e, estas, são fruto da nossa mente.
Aqui, bem dentro da nossa cabeça, debatemo-nos que nem leões pela paz. Esta
nunca chega, não no estado puro que ambicionamos. Chega sempre em amortizações
parcelares. Insuficientes. Exagerava em ti. Extravasavas-me e beliscavas-me as
intenções.
Ao aproximar-me de ti,
fugias. Deslizavas airosamente das minhas mãos, ávidas de ti. Queimavas-te com
a minha proximidade. Ardias de repulsa quando respirava perto de ti. Ao invés,
ao aproximar-me da tua alma, fumava a tua respiração, como se do último cigarro
se tratasse. Acariciava-te os sentidos com o meu peito e abraçava-te os
desejos. Sim, os teus desejos todos. Abria os braços, puxava o peito para trás
e abraçava-te com a minha imaginação, satisfazendo-te em retórica. Somente
assim. Tal não era a nossa proximidade, estávamos a léguas de distância.
Multiplicava por mil e ainda faltavam quilómetros para te ver, te sentir, te
abraçar. Nunca aconteceu.
Sou feliz assim e mais não
faço. Feliz a pensar em ti, a toda a hora. A imaginar-nos aos dois. A vida é
minha e eu vivo-a à minha maneira: a ser feliz. Assim. Sei que és feliz, assim.
Como vives. Tal e qual como eu, com as tuas paixões a comandarem-te os
destinos. A navegares na incerteza do amanhã, com os pés assentes no hoje. És
feliz assim e eu sou feliz assim. Sem ti. Mas, quero-te. Desengana-te se pensas
o contrário. Quero-te e não te tenho. Não te vou ter. Não nesta vida. Sou feliz
com a minha infelicidade de não te ter. Ao meu lado. Sou feliz todos os dias
que passo sem ti, mas contigo. Contigo no meu pensamento. Contigo ao meu lado,
sem o estares. Feliz na minha inquietação, na minha
tristeza.
As folhas
poisavam no chão. Caíam numa cadência matemática. Uma após a outra, planavam em
queda lenta, ao sabor do tempo degustado. Orquestralmente alinhadas, aterravam
com suavidade dispondo-se ao longo do caminho. Apreciava esta harmonia. A
substituição das folhas velhas nos galhos despidos. Com o tempo, entre
estações, iriam compor-se de verde. Ninhadas de novas folhas, cresceriam nos
seus postos, como um calmo nascer do sol. Como era bonita a aurora neste
processo. Como era esplendido e colorido o falir das folhas. Como era bonita a
vida. Como tu eras bonita. E eu? Eu, apreciava este aparato como se de um
grande musical se tratasse. Não faltava a música. O vento tratava de assobiar
belas melodias como catapulta desta caminhada de vida. De falta de vida e de
renascimento. Acredito que seja assim: de renascimento. Todos morremos nesta
vida, dando lugar a outros e a outros. Renascemos em cada um que nos precede,
sorrimos de geração em geração. Creio nisto, assim como sou crente em nós.
Mesmo se todo o mundo estivesse a olhar eu dançaria
contigo. Não sabes mas odeio dançar. Mas dançaria contigo. Fazia tudo contigo.
Contigo. Não posso. Não sabes e não queres. Não quererias se soubesses. Não faz
mal. Está tudo bem assim. Dentro da normalidade do nosso afastamento, do nosso
desencontro. Do nosso desamor. Vivo assim, dentro da normalidade de um amor
existente, mas não mútuo. De um amor real, mas dentro da minha imaginação. De
um amor presente, mas distante. Distante de ti, de nós. Não de mim. Dou por mim
a pensar em ti. Sempre e como um louco. Como um louco por ti. Sedento de
notícias tuas, de sinais. De provas de vida, de existência, de felicidade. Sou
feliz com a tua felicidade e isso para mim basta. Sacia-me. Basta assim, sabes?
Simples assim para me sentir bem com a vida. Comigo. Aceitei esta condição de
suplente não utilizado. Não convocado sequer. Nem pertenço à equipa. Mas estou
aqui, como sempre a imaginar-me contigo. A contemplar-me em ti, tal e qual
assim. Visiono-nos juntos, a partilhar a vida. Numa luta não violenta por nós,
pela nossa vida. Não acontece. Não vai acontecer. Sou corroído por esta
impossibilidade, por este não acontecimento. Sinto-me vivo assim, mas a
definhar bem lentamente neste amor em uníssono. Neste monólogo de desejo, de
desejo de ti.
Se caíres, caímos os dois. Caiem exércitos aos pés
dos inimigos. Casas com tempestades. Amantes com desencontros. Tudo cai, tudo
se ergue. Caindo, erguermo-nos. Repetindo, voltamos a erguer numa espiral
interminável. Tal como nós o somos, intermináveis. Sobrevivo ao meu amor por
ti, amando-te. Remanesço, diluindo-me pelo tempo vindoiro, sugando-me na
escuridão e ressurgindo na alvorada. Sou por ti nas quedas e nestas sou por
nós. Pelos dois. Contrario o monólogo com diálogo e a unidade com a dualidade.
Sou e existo por ti e por nós. Os dois. Sou pelo que não existe, mas definha
pela inexistência. Nesta, em incoerência, fortaleço-me. Fortalecemo-nos.
Rimo-nos ao cairmos, ridicularizando a queda. Submetemo-la à variabilidade da
vida e rotulamo-la à sua futilidade. A inexpressão da queda dá-nos ânimo para a
sua suplantação. Sou assim, somos assim. Admito que sim. Na superação
revejo-me, revia-me.
Bem-vinda ao meu mundo.
Entra. Faz-te de casa. Vais gostar, amar até. Bem-vinda. Entra e conhece-o.
Conhece-me. Tem de tudo, o meu mundo. Ele é tristeza, alegria, choros e risos,
traumas e vivências, violência e paz. É o meu mundo. Torna-o nosso. Entra e sê
bem-vinda. Entra e conhece-o. Desfruta-o. Levanta a cabeça, respira fundo,
olhos bem abertos e emoção contida e entra. Desfaz a rigidez da tua inércia.
Destrói os teus medos e vem. Vem para mim, para nós. Recebo-te bem aqui, no meu
mundo. Solta as amarras que te prendem e despacha-te. Corre. Entra. Espero-te
com ansiedade. Com emoção. Com a tristeza e a alegria, com o choro e o riso,
com os meus traumas e as minhas vivências. Com a minha violência e a minha paz.
Espero-te comigo, ansioso à tua espera. Desejoso da tua chegada. Vem para mim,
aguardo por ti. Aguardava por ti. Aguardarei.
É interminável a ânsia de
chegar. Chegando, ofuscamo-nos na solidão da chegada. Sós e sem destino,
ficamos absortos no local onde estamos e esperamos. É na espera, solitária, que
acendemos a luz da nossa imaginação. Aqui, inebriados pela fantasia, sugamos a
sua energia e nadamos nas suas ondas imaginárias. Fantasiamos sobre a vida,
sobre a vida que não temos. Não necessariamente sobre a vida que desejaríamos
ter, não sobre isso, apenas sobre a vida que não temos. Colorimo-la com cores
inexistentes. Sorrimos. Sentimo-nos a chegar onde queremos sem sairmos do mesmo
lugar. Nunca chegamos a chegar, na realidade, apenas fazemos questão de nos
aproximar, imaginando, com o claro intuito de chegar, mas nunca acontece. Nunca
nas nossas fantasias. Não desistimos. Continuo a imaginar, a fantasiar e a
sorrir. Mais não sou que um fantasista convicto, daqueles que fantasiam com
tudo. Nunca chegando a lugar nenhum. É precisamente o nunca chegar a lado
nenhum que dá beleza ao que imaginamos. Por vezes imagino-me a imaginar. Imagino-me
num local paradisíaco. Só, e a pensar sobre o que nunca fiz, locais que nunca
visitei e sobre pessoas que nunca conheci. Sobre este local, paradisíaco que
não conheço. Que nunca conhecerei. Que não existe. Imagino-me a imaginar que eu
não sou eu. Eu sou outro e vivo uma vida que eu não vivo. Não que a quisesse
viver, imagino-me somente a vivê-la e como seria bom vivê-la. Acho. Imagino as
cores em todos os locais do mundo. Como são diferentes. Imagino-me a pincelar o
céu de azul, ou de laranja. De negro. Isto sim, isto é imaginar. Aproximo-me de
tudo e de todos, como um ser omnipresente, quando imagino, quando solto as
longas asas da minha imaginação. Apuro todos os sentidos, tornando-me num
super-homem, aguerrido e cintilante no escuro da vida. Imaginava assim, tal e
qual assim.
Dissolveria o mundo por
ti, gritando nu. Buscava-te por aí. De preferência onde não estivesses, mas
onde tivesses passado. Estado. Assim é. Assim seria. Um mais um menos um.
Concretizamo-nos na realidade dos acontecimentos, sorvendo a sua energia.
Calibramos a respiração, quando nos realizamos, numa melodia singela, frutuosa
e aromática. Fossemos um todo e sentiríamos este acontecimento como uma
rebelião de esforços dos nossos íntimos desejos. Do nosso olhar extraviado. Em
conluio, gritaríamos quem não somos, lutaríamos por quem não quer e faríamos
nada. Só, nada. Um vislumbre de tudo, do todo. De nada. Fossemos um todo e
revolucionávamos a nossa vontade de sermos. De estarmos vivos. A nossa
pretensão de contrariar o nada, de o esmiuçar e reduzir a tudo, do nada.
Fossemos um todo e singraríamos de todo e por todos, apenas para sermos, o que
não somos. Um todo. Amaríamos a verdade das coisas, dos seres. Seríamos uns
apaixonados do nada, que é tudo. Buscava-te nu, mesmo assim. Ao amar-te.
Como uma força fútil, equilibramo-nos no rigor da vida. Passamos tempo a determinar o pré-determinado e a mitigar o factual passado. Corroemo-nos na divindade do inatingível. Não mais somos que um espelho distorcido do que pretendíamos ser, se o soubéssemos. Mais não somos que uma transparência fosca de um raiar arredado, de uma aura assimétrica aos nossos desejos. Um bocejo infinito tolda-nos a perseverança. Que não temos. De quem não somos. Somos sim um reflexo de nós. Uma miragem fosca do que queríamos ser. Um raio de luz coberto de pó. Determinamo-nos coerentemente na insensatez da nossa vida. A nossa vontade é prescindível. Não serve o nosso propósito, é ignorada na e pela vida. Entretanto, cingimo-nos ao acessório que nos é permitido, focando-nos no previsível, no esperado. No que nos está destinado. No que me foi prometido.
Como uma força fútil, equilibramo-nos no rigor da vida. Passamos tempo a determinar o pré-determinado e a mitigar o factual passado. Corroemo-nos na divindade do inatingível. Não mais somos que um espelho distorcido do que pretendíamos ser, se o soubéssemos. Mais não somos que uma transparência fosca de um raiar arredado, de uma aura assimétrica aos nossos desejos. Um bocejo infinito tolda-nos a perseverança. Que não temos. De quem não somos. Somos sim um reflexo de nós. Uma miragem fosca do que queríamos ser. Um raio de luz coberto de pó. Determinamo-nos coerentemente na insensatez da nossa vida. A nossa vontade é prescindível. Não serve o nosso propósito, é ignorada na e pela vida. Entretanto, cingimo-nos ao acessório que nos é permitido, focando-nos no previsível, no esperado. No que nos está destinado. No que me foi prometido.
Cláudio Barradas
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