sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

vim

Vim para aqui, sem estar aqui, na realidade. Mas, estou. Estou, não fisicamente, mas estou. Estou e daqui não saio. Não saio a menos que o queira – e não quero, a menos que o queiras – e não queres. Não queremos que eu saia daqui, daqui bem ao teu lado, daqui bem do teu lado, daqui, de onde devo estar. Bem do teu lado, onde queremos que eu esteja. Do teu lado como se de uma conspiração de companhia permanente se tratasse, assim o ordena, assim o ordenamos. Assim o ordenas – sem o saberes, assim o ordeno, sem o querer. De todo o ordenar a minha presença onde quer que seja, mas não aqui, não aqui ao teu lado, não aqui para ti. Aqui estou e aqui quero estar. 

Aqui, ao teu lado, aqui para ti.

Cláudio Barradas

quando


Quando o vento nos alcança, arrebate-nos. Fechamos os olhos e vemos, vemos tudo o que queríamos ver e teimosamente não conseguimos fazê-lo de olhos abertos. Não que não o saibamos, ou sequer tenhamos a noção disso, mas acontece vermos melhor determinadas situações quando fechamos os olhos. Parece que se acende a luz da clarividência quando fechamos os olhos, num paradoxo brutal. Ao ocultarmos o que nos entra pelos olhos, começamos a ver. Acende-se o interruptor da imaginação, da nossa imaginação e, aí tudo é possível.

Cláudio Barradas

sim... a mim

Julgavas que andavas perdida, tentavas procurar-te nessas experimentações, que procuravas um amor e este teimava em não te encontrar. E eu aqui, bem aqui para ti. O tempo passou e eu, tolo, fechava os olhos às oportunidades que surgiam, às portas que se iam abrindo para mim. Nem queria saber delas, nem garanto se eram portas ou janelas, se eram de papelão ou blindadas. Estava focado em ti. Mas, o decurso do tempo foi essencial na desfocagem que se queria obrigatória para eu poder prosseguir em paz, para eu começar a abrir os olhos e a prestar atenção a mim, sim... a mim.

Cláudio Barradas

hoje

Publicitamos mais depressa a nossa raiva que o nosso amor. Dispersamos com velocidade o que nos irrita, o que nos aborrece e o que nos magoa. Gritamos a nossa infelicidade e esquecemo-nos de assobiar a nossa felicidade. Ocultamos e ocultamo-nos a pensar no correto. Esquecemos que o correto somos nós. O correto é a nossa vida. A nossa família. Os nossos amigos. O correto é quem está para nós... Sempre. O correto é a realidade, a nossa realidade.
São as páginas do livro da nossa vida que são as melhores páginas para folhear. É o mundo que devemos abraçar. A vida. Hoje e não nunca é o conceito mais lindo que podemos ter. Agora e não depois. Nesta vida e não na outra, que não existirá.

Cláudio Barradas

sabes?

Sabes? És tu que imaginas o inimaginável, que manifestas o improvável e que realizas o reprovável.
Tu, que ages como uma pena, ao sabor do vento conveniente, que abres as tuas asas para ocupar todo o ar, não só o que rodeia, mas o que rodeia todos os que te são próximos.
Tu, que sobes escadas que não são tuas, que percorres outros caminhos e te afastas de ti, num devaneio soluçante de angústia vã.
Queres agradar a todos, mesmo aos que não querem a tua concordância e o teu agrado, que desrespeitam quem te ama, quem amas, que te desrespeitam. 
Ages assim uma e outra vez, não satisfeita, voltas a fazê-lo, numa tentativa fútil de te destacares, de seres perfeita. Mas não és, perfeita. Ninguém o é.
É impossível agradar a todos. Se o fizeres ou se o tentares fazer, perderás o respeito de todos e, é aí, que morrerá o teu amor por ti. Foi aí que começou a dor que agora sentes e que teima em permanecer.

Cláudio Barradas

procuro-te

Sinto-me mais homem, mais vivo, quando te imagino a olhar-me. A fixar-me com esses teus grandes olhos que me perfuram a angústia e aumentam-me o desejo. O desejo de te desejar, porque não és minha.
Procuro-te ontem, hoje e amanhã, desejando somente um vislumbre do teu olhar. Um afagar doce do teu sentimento, por mim. Desejo-te tanto que não me atrevo a invocar o teu nome, sem estremecer. Recuso terminantemente o facto de te desejar tanto que te ofusco em mim. És o meu amor inexistente e a metade que me falta. A sombra que me acompanha e que eu não vejo. A minha paixão, o meu desamor.

"Para Todo o Sempre"
Cláudio Barradas e Chiado Editora