sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo nono

Como uma força fútil, equilibramo-nos no rigor da vida. Passamos tempo a determinar o pré-determinado e a mitigar o factual passado. Corroemo-nos na divindade do inatingível. Não mais somos que um espelho distorcido do que pretendíamos ser, se o soubéssemos. Mais não somos que uma transparência fosca de um raiar arredado, de uma aura assimétrica aos nossos desejos. Um bocejo infinito tolda-nos a perseverança. Que não temos. De quem não somos. Somos sim um reflexo de nós. Uma miragem fosca do que queríamos ser. Um raio de luz coberto de pó. Determinamo-nos coerentemente na insensatez da nossa vida. A nossa vontade é prescindível. Não serve o nosso propósito, é ignorada na e pela vida. Entretanto, cingimo-nos ao acessório que nos é permitido, focando-nos no previsível, no esperado. No que nos está destinado. No que me foi prometido. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo oitavo



Dissolveria o mundo por ti, gritando nu. Buscava-te por aí. De preferência onde não estivesses, mas onde tivesses passado. Estado. Assim é. Assim seria. Um mais um menos um. Concretizamo-nos na realidade dos acontecimentos, sorvendo a sua energia. Calibramos a respiração, quando nos realizamos, numa melodia singela, frutuosa e aromática. Fossemos um todo e sentiríamos este acontecimento como uma rebelião de esforços dos nossos íntimos desejos. Do nosso olhar extraviado. Em conluio, gritaríamos quem não somos, lutaríamos por quem não quer e faríamos nada. Só, nada. Um vislumbre de tudo, do todo. De nada. Fossemos um todo e revolucionávamos a nossa vontade de sermos. De estarmos vivos. A nossa pretensão de contrariar o nada, de o esmiuçar e reduzir a tudo, do nada. Fossemos um todo e singraríamos de todo e por todos, apenas para sermos, o que não somos. Um todo. Amaríamos a verdade das coisas, dos seres. Seríamos uns apaixonados do nada, que é tudo. Buscava-te nu, mesmo assim. Ao amar-te. Mas era eu, não tu.

Cláudio Barradas

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo sétimo

É interminável a ânsia de chegar. Chegando, ofuscamo-nos na solidão da chegada. Sós e sem destino, ficamos absortos no local onde estamos e esperamos. É na espera, solitária, que acendemos a luz da nossa imaginação. Aqui, inebriados pela fantasia, sugamos a sua energia e nadamos nas suas ondas imaginárias. Fantasiamos sobre a vida, sobre a vida que não temos. Não necessariamente sobre a vida que desejaríamos ter, não sobre isso, apenas sobre a vida que não temos. Colorimo-la com cores inexistentes. Sorrimos. Sentimo-nos a chegar onde queremos sem sairmos do mesmo lugar. Nunca chegamos a chegar, na realidade, apenas fazemos questão de nos aproximar, imaginando, com o claro intuito de chegar, mas nunca acontece. Nunca nas nossas fantasias. Não desistimos. Continuo a imaginar, a fantasiar e a sorrir. Mais não sou que um fantasista convicto, daqueles que fantasiam com tudo. Nunca chegando a lugar nenhum. É precisamente o nunca chegar a lado nenhum que dá beleza ao que imaginamos. Por vezes imagino-me a imaginar. Imagino-me num local paradisíaco. Só, e a pensar sobre o que nunca fiz, locais que nunca visitei e sobre pessoas que nunca conheci. Sobre este local, paradisíaco que não conheço. Que nunca conhecerei. Que não existe. Imagino-me a imaginar que eu não sou eu. Eu sou outro e vivo uma vida que eu não vivo. Não que a quisesse viver, imagino-me somente a vivê-la e como seria bom vivê-la. Acho. Imagino as cores em todos os locais do mundo. Como são diferentes. Imagino-me a pincelar o céu de azul, ou de laranja. De negro. Isto sim, isto é imaginar. Aproximo-me de tudo e de todos, como um ser omnipresente, quando imagino, quando solto as longas asas da minha imaginação. Apuro todos os sentidos, tornando-me num super-homem, aguerrido e cintilante no escuro da vida. Imaginava assim, tal e qual assim. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Google Images

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo sexto

Bem-vinda ao meu mundo. Entra. Faz-te de casa. Vais gostar, amar até. Bem-vinda. Entra e conhece-o. Conhece-me. Tem de tudo, o meu mundo. Ele é tristeza, alegria, choros e risos, traumas e vivências, violência e paz. É o meu mundo. Torna-o nosso. Entra e sê bem-vinda. Entra e conhece-o. Desfruta-o. Levanta a cabeça, respira fundo, olhos bem abertos e emoção contida e entra. Desfaz a rigidez da tua inércia. Destrói os teus medos e vem. Vem para mim, para nós. Recebo-te bem aqui, no meu mundo. Solta as amarras que te prendem e despacha-te. Corre. Entra. Espero-te com ansiedade. Com emoção. Com a tristeza e a alegria, com o choro e o riso, com os meus traumas e as minhas vivências. Com a minha violência e a minha paz. Espero-te comigo, ansioso à tua espera. Desejoso da tua chegada. Vem para mim, aguardo por ti. Aguardava por ti. Aguardarei. Mas era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Google Images

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo quinto

décimo quinto


Se caíres, caímos os dois. Caiem exércitos aos pés dos inimigos. Casas com tempestades. Amantes com desencontros. Tudo cai, tudo se ergue. Caindo, erguermo-nos. Repetindo, voltamos a erguer numa espiral interminável. Tal como nós o somos, intermináveis. Sobrevivo ao meu amor por ti, amando-te. Remanesço, diluindo-me pelo tempo vindoiro, sugando-me na escuridão e ressurgindo na alvorada. Sou por ti nas quedas e nestas sou por nós. Pelos dois. Contrario o monólogo com diálogo e a unidade com a dualidade. Sou e existo por ti e por nós. Os dois. Sou pelo que não existe, mas definha pela inexistência. Nesta, em incoerência, fortaleço-me. Fortalecemo-nos. Rimo-nos ao cairmos, ridicularizando a queda. Submetemo-la à variabilidade da vida e rotulamo-la à sua futilidade. A inexpressão da queda dá-nos ânimo para a sua suplantação. Sou assim, somos assim. Admito que sim. Na superação revejo-me, revia-me. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Foto: Google Images

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo quarto

décimo quarto


Mesmo se todo o mundo estivesse a olhar eu dançaria contigo. Não sabes mas odeio dançar. Mas dançaria contigo. Fazia tudo contigo. Contigo. Não posso. Não sabes e não queres. Não quererias se soubesses. Não faz mal. Está tudo bem assim. Dentro da normalidade do nosso afastamento, do nosso desencontro. Do nosso desamor. Vivo assim, dentro da normalidade de um amor existente, mas não mútuo. De um amor real, mas dentro da minha imaginação. De um amor presente, mas distante. Distante de ti, de nós. Não de mim. Dou por mim a pensar em ti. Sempre e como um louco. Como um louco por ti. Sedento de notícias tuas, de sinais. De provas de vida, de existência, de felicidade. Sou feliz com a tua felicidade e isso para mim basta. Sacia-me. Basta assim, sabes? Simples assim para me sentir bem com a vida. Comigo. Aceitei esta condição de suplente não utilizado. Não convocado sequer. Nem pertenço à equipa. Mas estou aqui, como sempre a imaginar-me contigo. A contemplar-me em ti, tal e qual assim. Visiono-nos juntos, a partilhar a vida. Numa luta não violenta por nós, pela nossa vida. Não acontece. Não vai acontecer. Sou corroído por esta impossibilidade, por este não acontecimento. Sinto-me vivo assim, mas a definhar bem lentamente neste amor em uníssono. Neste monólogo de desejo, de desejo de ti. Mas era eu, não tu.

Foto: Pinterest


Cláudio Barradas

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo terceiro

décimo terceiro


As folhas poisavam no chão. Caíam numa cadência matemática. Uma após a outra, planavam em queda lenta, ao sabor do tempo degustado. Orquestralmente alinhadas, aterravam com suavidade dispondo-se ao longo do caminho. Apreciava esta harmonia. A substituição das folhas velhas nos galhos despidos. Com o tempo, entre estações, iriam compor-se de verde. Ninhadas de novas folhas, cresceriam nos seus postos, como um calmo nascer do sol. Como era bonita a aurora neste processo. Como era esplendido e colorido o falir das folhas. Como era bonita a vida. Como tu eras bonita. E eu? Eu, apreciava este aparato como se de um grande musical se tratasse. Não faltava a música. O vento tratava de assobiar belas melodias como catapulta desta caminhada de vida. De falta de vida e de renascimento. Acredito que seja assim: de renascimento. Todos morremos nesta vida, dando lugar a outros e a outros. Renascemos em cada um que nos precede, sorrimos de geração em geração. Creio nisto, assim como sou crente em nós. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo segundo

décimo segundo

Sou feliz assim e mais não faço. Feliz a pensar em ti, a toda a hora. A imaginar-nos aos dois. A vida é minha e eu vivo-a à minha maneira: a ser feliz. Assim. Sei que és feliz, assim. Como vives. Tal e qual como eu, com as tuas paixões a comandarem-te os destinos. A navegares na incerteza do amanhã, com os pés assentes no hoje. És feliz assim e eu sou feliz assim. Sem ti. Mas, quero-te. Desengana-te se pensas o contrário. Quero-te e não te tenho. Não te vou ter. Não nesta vida. Sou feliz com a minha infelicidade de não te ter. Ao meu lado. Sou feliz todos os dias que passo sem ti, mas contigo. Contigo no meu pensamento. Contigo ao meu lado, sem o estares. Feliz na minha inquietação, na minha tristeza. Mas era eu, não tu.

Cláudio Barradas

sentir o que nos rodeia

Pouco sentimos 
A vida é um sopro 
Um momento 
Que nos trás momentos 
Um pôr do sol 
Um respirar profundo 
Um abraço 
Um riso sentido 
A vida são momentos 
Um olhar ternurento 
Um beijo húmido 
Uma gota de suor 
O que nos rodeia 
Nos envolve 
Transporta 
Um bom livro 
Um observar com atenção 
Uma cama quente 
Numa noite fria 
Um arfar de amor 
Sentir 
Sentirmos o que nos rodeia 
Sempre 
Num momento






"Sentimento em Si"
Cláudio Barradas e Chiado Editora

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo primeiro

décimo primeiro


Ao aproximar-me de ti, fugias. Deslizavas airosamente das minhas mãos, ávidas de ti. Queimavas-te com a minha proximidade. Ardias de repulsa quando respirava perto de ti. Ao invés, ao aproximar-me da tua alma, fumava a tua respiração, como se do último cigarro se tratasse. Acariciava-te os sentidos com o meu peito e abraçava-te os desejos. Sim, os teus desejos todos. Abria os braços, puxava o peito para trás e abraçava-te com a minha imaginação, satisfazendo-te em retórica. Somente assim. Tal não era a nossa proximidade, estávamos a léguas de distância. Multiplicava por mil e ainda faltavam quilómetros para te ver, te sentir, te abraçar. Nunca aconteceu. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas