quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - décimo

décimo


A madrugada vinha tarde. Tardava sempre, em conluio com a insónia. Os primeiros raios de sol apareceram com uma timidez exposta na sua demonstração. Era tímido o sol da nossa vida. Era tímida a nossa vida ensolarada. Havia sempre algo perturbante por detrás da sua aparição. Porventura, o segredo do seu embaraço. Seria a sua reticência fruto da indecisão da vida? Talvez. Na realidade, a madrugada vinha tarde, sempre tarde. Tal acontecia todos os dias, sem exceções. A minha vigília era sempre até de manhã. Não tinha a capacidade de um sono regular. Creio até que não o fazia há tempos. O ter um sono regular. Essa era a faculdade de alguns, não de todos. A nossa mente encarcera-nos na atenção e na consequente insonolência. Somos fruto das nossas opções e, estas, são fruto da nossa mente. Aqui, bem dentro da nossa cabeça, debatemo-nos que nem leões pela paz. Esta nunca chega, não no estado puro que ambicionamos. Chega sempre em amortizações parcelares. Insuficientes. Exagerava em ti. Extravasavas-me e beliscavas-me as intenções. Mas era eu, não tu.

Cláudio Barradas

novamente

Retiro um bocado 
Obscuro de mim
Subtraio-me da dor
Abraço o inevitável

Abro bem os braços
Respiro bem fundo
E mergulho
No que nunca mergulhei

Divido a razão
Somo a coerência
Desfragmento-me
Abro os olhos e respiro
Novamente


Cláudio Barradas

nada


Um reflexo do que queria submete-me à inconstância da vida. Logro entrar e vejo. Faz-se luz por entre os raios de escuridão. Um espasmo de mim conforta-se na minha dúvida. Respiro e confirmo que estou vivo, ou pelo menos assim o desejo. Uma sombra de mim esbate-se nas portas, qual segredo por revelar.

É aqui, neste momento,
que sinto o que não deveria sentir:
nada.


 "Para Todo o Sempre"
Cláudio Barradas e Chiado Editora

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - nono

nono


No alto vi-a. Era uma imagem perfeita, uma figura incontornável. Seguia-a com o meu olhar. Movia-se graciosamente. Uma folha, solta, desprendida da sua árvore, a flutuar ao sabor do vento nos primeiros dias de outono. Deliciava-me com o seu andar, imaginava-me ao seu lado, segurando-lhe a mão, afagando os seus dedos, entrelaçando-os nos meus. Imaginava-nos lado a lado, a sorrir e a confidenciar o nosso amor. O nosso amor que não existia. Que nunca tinha sido uma realidade. Mordia os meus lábios à procura do beijo que nunca tinha recebido. Sabia de cor o sabor dos seus lábios, sem nunca a ter beijado. Demagogia pura ou imaginação. Não interessa. Não nego este sentimento unilateral, não o nego. Não o nego. Era capaz de mostrar a minha boca marcada pelos beijos que nunca recebi. Mas sentia-os. Sentia-os como se fossem verdade. Como se fossem reais. Como se as nossas bocas ainda estivessem ligadas naqueles beijos. Seguia naquele ritmo calmo. Passo ante passo seguia e eu segui-a com o meu olhar. Só com o olhar, até a perder de vista. Até desaparecer após passar uma esquina. Fechei os olhos e continuei a segui-la. Continuei a seguir-te. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

caminhos cruzados

Caminhos que se cruzam
Tocam no coração
Em breves momentos
Entrelaçam as mãos

Na estrada da vida
Como que por acaso
Caminhos que se cruzam
Ao dar-mos um passo

Um passo de gigante
Faz cruzar caminhos
Numa via larga
Bem perto dos moinhos

Caminhos cruzados
Revelam uma estrada perdida
Num nobre encanto
Marcam a nossa vida.






"Sentimento em Si"
Cláudio Barradas e Chiado Editora

Songs of lust and lost - a demanda da paz - oitavo

oitavo

Numa dada manhã, sem conseguir precisar quando, ao acordar, abri um olho. Depois o outro. Não era igual a visão dos dois olhos abertos. Sentia fortes espasmos visuais que se manifestavam unicamente com os dois olhos abertos. Voltava a fechar um, depois o outro. Aí via bem, só com um olho. O que se passava? Perguntava-me. A normalidade da visão sucumbia, estranhamente, à dualidade da vista. Resolvi tapar um olho. Coloquei uma pala à frente do olho, presa por um fio em torno da cabeça. Escura e opaca, algo desconfortável. Experimentava num olho e depois no outro. Acostumava-me à comodidade da facilitação da visão. Nesse momento, de experimentação, somente com um olho descoberto, via bem. Sem dores e espasmos nebulados. Sugava as dioptrias que teimosamente me acompanhavam à muito tempo. Trucidava a miopia.
As lágrimas não corriam nos meus olhos. A constante negação erguia barreiras à sua formação. Opunha-me veementemente à sua mera existência. Tal, não era opção. Não para mim. A tal não me permitia. Paralelamente à minha vontade, imiscuía-se uma réstia de realidade. Esta, sodomizava-me as ideias barricadas na minha mente. Tão pomposa parecia esta promíscua dicotomia. Era somente a realidade a lutar com a fantasia, com o imaginário. Agora sei. O crepúsculo divino da sobriedade maquiavélica que se mostrava presente e dizimava os meus ideais. Imaginários.

Mas era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Songs of lust and lost - a demanda da paz - sétimo

sétimo


Aparentemente estava sóbrio. Metido em mim. Soluçava de vez em vez, acometido à privação do sentimento. Expulsara-o de mim. Abstinha-me de ser, estar e sentir. Tinha de ser assim. Ao inspirar, profundamente, invadiu-me um ligeiro aroma de frutos silvestres. O nada, vazio, oco, cheirava a frutos silvestres. Sabias? Eu não. Aprendi. Era um aroma prazeiroso, constantemente. Ajudava-me a recompor em esboços caracterizados de um regozijo estável. Ficava assim, neste estado. Fazia por ficar assim: num soluçar intermitente e com aroma a frutos silvestres. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - sexto

sexto


Era assim a sinergia do tempo: a cooperação na vida. Tempo foi em que rebolava na erva, absorto na felicidade indirectamente sentida e directamente colocada. Tempo de obra feita, sem nada para construir. Erguia-me todos os dias, como um diásporo fortemente plantado. Possuía-me uma aura empática de mim. Sobre mim. Era tudo sobre mim e só acerca de mim. Eu e eu. Estaticamente dirimido, solucionava-se só. O tempo. Passando, não correndo. Era a sua maior característica, o forte metabolismo imbuído na sua alma. Movia-o numa dança majestosa, triunfal, transparente. Não se dava por ele, o tempo. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Songs of lust and lost - a demanda da paz - quinto

quinto


Era mais um dia. E outro, e outro. Passava o tempo, louco tempo de amar e não ser amado. Ripostava com uma energia avassaladora. Dormitava sobre o tempo que corria, não parava de correr. Estagnado estava o sentimento não retribuído. Tanto querer para nada ter. Tanto abrir de olhos para muito olhar fechado. Tanta floresta verdejante para tanto bosque cerrado. Ervas daninhas cresciam e proliferavam no tempo, consumindo-o e contaminando o tempo que sobrava. Quase nada. Dia após dia, hora após hora e minuto após minuto. Tudo passava, tudo corria. Dispendioso tempo que consumia o tempo, sem nada. Mas era eu, não tu.

Cláudio Barradas

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Songs of lust and lost - a demanda da paz - quarto

quarto


A inconstância do sentimento habitava-me. Uma nebulada aura cingia-me à brutidão da inércia admitida. Perscrutava a alma à tua procura, não te encontrava. Noites infinitas de insónia surgiam como heroínas do meu tempo. Do meu tempo acordado. No entanto, não prescindia de fechar os olhos. Era assim que sonhava, acordado. No sonho, uno e corrido, imaginava-nos normais, uso corrente, de formas distintas. Acertávamos os dias que passaríamos, acordando num futuro que aspirávamos. Era monogâmico este sonho, cingido ao pesadelo da solidão de ti. Era eu, não tu.


Cláudio Barradas

Songs of lust and lost - a demanda da paz - terceiro

terceiro

Protegia este amor como se de um sonho se tratasse. Um tesouro alojado no meu peito, consagrado na minha pele. A pérola, única, escondida no remoto mais profundo do oceano mais vago. Uma preciosidade da alma, corroída pela erosão dos tempos idos. Presentes. Um pesadelo. Desembrulhava-o diariamente com temor. Brilhava ao aparecer mas era fugaz. Não obstante, martelava-o constantemente com propósito. Tal não era suficiente. Parecia que não. Sentia que não. Brindava este sentimento com a persistência da novidade, rindo ao confrontá-lo. Sorrindo ao perde-lo. Não havia dor nesta perda. Não há dor em nenhuma perda, depois de assumida. Soluçava por perder-te. Eu, não tu.

Cláudio Barradas

Songs of lust and lost - a demanda da paz - segundo

segundo

Na impossibilidade tremia. Sinto-o agora. Abriam-se as nuvens, dissipando-se sobre a minha cabeça. Com esforço, olhava para cima vendo-o aparecer. São mais alegres as manhãs com sol. Tal acontecimento não resfriava o meu desânimo. Tangente ao solo aplainava um abutre, olhando-me de soslaio. Não me afectava a obliquidade da situação, estava acostumado com o contemplar alheio. O desgaste em (de) mim era forte e dominava-me, insurgindo-me contra a surpresa. Habitava-me a tua imagem, bela e desoladora. Forte e fraca. Fraca de amor. Por mim. Mas era eu, não tu.

Cláudio Barradas

Songs of lust and lost - a demanda da paz - primeiro

primeiro

Descendo ao infinito do possível, corria como um louco por ti. Abraçava-te. Não satisfeito, calcava o solo em busca de força. Lá, singrava e fluía, crente em nós, na nossa mera possibilidade. Continuava. Perscrutava o intangível poço que nos separa, enchendo-o de mim. De nós. Nada sobraria no desespero. Calcorreava o solo, percorrendo-o ferozmente e sangrava. Repelia o veneno que me corria nas veias. Coloria-o de preto, afagava a sua espessura maligna, transformando-o em mel. De fel. Mais não era que a esperança escorrida e esculpida de um devaneio finado. Um soluço tremente, temente a ti. Só a ti. Grassava, disseminando-se, a fúria provocada pelo afastamento coercivo. Via ao fundo a acalmia. Ansiava por ela. Era eu, não tu.

Cláudio Barradas

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

anseio por ela


olhar nos olhos

Olhar “olhos nos olhos”. Quando falamos com alguém, devemos focar-nos nessa pessoa e, com muita atitude, compreensão e determinação, olhar nos olhos dessa pessoa.
Não falo de olhar por olhar, nem de olhar porque a pessoa tem uns olhos bonitos, refiro-me a olhar nos olhos dessa pessoa de forma a melhor escutarmos, a melhor ouvirmos e a melhor entendermos. É tão importante o entendimento.

Os olhos são a janela da alma e, esta etiqueta remete-nos para um olhar incisivo. Olhar para os olhos de alguém permite-nos "entrar" no espírito dessa pessoa, assim, entramos numa dimensão de compreensão, de entendimento e de respeito.
Este olhar comprova a tua própria existência, ao olharmos estamos a dizer que estamos presentes, que existimos e estamos ali para a pessoa, sem contemplações.

Há pessoas que se incomodam ao olhar nos olhos de alguém, desviam o olhar, ocultam-no. Ao fazê-lo escondem-se a si mesmos, abafam-se e, como uma sequiosa blasfémia, escondem a sua presença. Estão, mas não estão.


Cláudio Barradas



sexta-feira, 17 de novembro de 2017

que haja

Que haja sol e chuva. 
Calor e frio. 
Amores e desamores. 
Ventos e tempestades. 

Que haja amor e ternura. 
Abraços e beijos. 
Discussões e pontos de vista. 
Entendimentos. 

Que haja tudo e nada. 
Gritos e silêncios. 
Paixão e vontade. 
Compreensão e carinho. 

Que haja vida e morte. 
Montanhas e planícies. 
Montes e vales. 
Eu e tu. 

Que haja.


"Sentimento em Si"
Cláudio Barradas e Chiado Editora




diferenças, as nossas diferenças

Somos tão parecidos nas nossas diferenças.

As pessoas mudam. Eu mudo, tu mudas, todos mudamos. Dava para conjugar o verbo mudar em todas as suas pessoas, de todos os seus modos e tempos e ele permanecia estável. É lei da vida, a mudança intrínseca manifestada extrinsecamente. Mudamos pelo curso e no decurso da vida. De igual modo, uns mudam mais que outros. Uns mais depressa que outros, mas todos mudam. Todos mudamos. Nenhum de nós, e isto sem exceções, tem a capacidade da imutabilidade. Tal, é algo que não nos assiste, de todo.

Basta pararmos e olharmos para a nossa vida passada. Quantas e quantas vezes não pensamos que, voltando a determinada situação, agiríamos de maneira diferente. Quantas vezes afirmamos que nunca mais repetiremos esta ou aquela atitude. Quantas vezes derramamos lágrimas de arrependimento e constrangimento por atitude tomada.

Cláudio Barradas



quinta-feira, 16 de novembro de 2017

paz

Há uma altura na nossa vida em que,
finalmente, aprendemos
que cada um só dá o que tem para dar.
E, é precisamente neste momento que paramos.
Paramos com as preocupações,
paramos de nos importar.

Deixamo-nos ir e aguardamos,
serenamente,
o que a vida nos dará.
Sempre conscientes, contudo,
que seguindo a ordem natural das coisas,
o que nem sempre acontece,
colheremos o que hoje plantamos.

Acredito que sim,
agora e passado este momento,
podemos finalmente viver.
Viver em paz.
É esta paz interior que queremos,
que perseguimos e,
muitas vezes não conscientemente,
o desejamos.

É a nossa paz interior que nos faz prosseguir,
dia após dia e com os pés bem assentes no chão.
Passo a passo construímos o nosso amanhã,
alicerçado por esta paz.

Cláudio Barradas



os que amamos

viver a vida de forma despreocupada
simplesmente vivê-la
exponenciá-la ao máximo
mas não vivemos sós
nem a vida faria sentido se assim o fosse
não nos descaracterizando
não nos impondo uma máscara
devemos dar importância ao que nos rodeia
mais importância devemos dar aos que nos são próximos
Estamos bem quando os que amamos estão bem
Somos felizes
quando somos ladeados por amor
inundados de felicidade
que advém precisamente dos que amamos
dos que nos amam
os que amamos

Cláudio Barradas

forma violenta

Forma violenta do ser
Que me consome
Nos galhos da inconstância
Que me quebra, que se quebram

Forma violenta de ser
Famigerada essência
Corrompe-me
Dilacera-me os sentidos, destrói-os

Forma violenta
Conduz-me cegamente
Em busca do fim
Anunciado, previsto


Cláudio Barradas



o segredo

Levo esta vida, a minha vida, não tenho outra. Esta vida é de mim, só de mim e sobre mim.
Falo de mim, sem medos ou receios. Sinto-me completo assim, bem assim. Por muito passei, muito aprendi, muito assaquei por onde passei. De quem conheci. De quem coloriu a minha vida. De quem eu deixei pintá-la e de quem eu fechei as portas, não permitindo a sua entrada. Não dei hipóteses de a preencherem com memórias.
Por vezes propositadamente, outras não. Apenas passaram e não entraram, ficando bocados por preencher. Passaram ao de leve, de fora, sem interferências. Nalguns casos fui implacável, noutros fui injusto. Todos somos uns, e uns de cada um.
Dei a cor que quis e a música que compus. Sou o pintor e o maestro da minha vida. Pelo menos assim o julgo. Dei os passos que quis dar e nos momentos que julguei oportunos, sendo que a oportunidade é criada por nós, quando queremos, quando a vemos, quando a sentimos. Todo eu sou um emaranhado de emoções, de vida. Um emaranhado de complexos “eus”.

Sou fervor andante.

Este é o segredo de mim, a minha vida e nada mais que ela. Segredo, profundo, porque dela só eu sei e nela só eu passei. Da vida vivida e da vida sentida. Da vida respirada e da vida sofrida. Dos fogachos de felicidade e das cicatrizes infligidas. Das eternas marcas que ficaram e comigo permanecerão. Dos momentos eternos que passei. Das pessoas que conheci e das que não conheci, porque não quis, porque não pude, porque não se proporcionou. Da família que tive e da família que construí, ganhei, ganharam-me. De tudo e bem, só eu sei. E bem. Este é o segredo de mim, profundo e pessoal. Carne da minha carne e sangue do meu sangue.

 "Para Todo o Sempre"
Cláudio Barradas e Chiado Editora

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

a verdade


e tudo começou

"Gn 1.4 E viu Deus que era boa a luz;
e fez Deus separação entre a luz e as trevas.
Gn 1.5 E Deus chamou à luz Dia;
e às trevas chamou Noite.
E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.”
"Bíblia Sagrada"

Tudo tem um princípio, um meio e um fim. Tudo começa, se desenvolve e tudo termina. Se há coisas nesta nossa vida que não comportam excepções, este princípio é uma delas.

Começamos logo à nascença, com o primeiro respirar profundo. O primeiro ar que nos entra nos pulmões tem um efeito decisivo na nossa vida, que começa. Nascemos no nosso início e nele nos identificamos como seres humanos. Desenvolvemo-nos no decurso da vida, da nossa vida e nela, aprendemos, rimos, choramos, crescemos e minguamos. Envelhecemos, ferimo-nos e cicatrizamos essas feridas. Por fim, morremos.

Tudo tem a sua génese e o seu epílogo. Tal como esta minha história de vida. Começou no seu início, quando nasci, desenvolveu-se com o meu crescimento, onde fui abrindo os olhos, dia após dia. Recheando a minha vida com momentos e ao sabor destes. Todos os que conheci, principalmente aqueles que conheci mesmo antes de nascer. Os que foram passando pela minha vida e lá não permaneceram. Os que permaneceram. Eu e os eus de mim, todos eles. Todos os que me pertencem, os que não e os que nunca me pertenceram, pois não tinham de pertencer. Não se trata de posse, tal não existe no que toca a pessoas.

Somos de nós e a nós pertencemos.

Tudo o que aprendi, por tudo o que passei. Tudo o que (não) aprendi, pois voltei a cometer erros sobre erros, sobre erros. Tudo o que assaquei de tudo o que aprendi. Cresci sobre o que me ensinaram e sobre o que, a expensas próprias, fui aprendendo. Desenvolvi-me crescendo em aprendizagem, amor e dor. Por tudo e todos o que amei, e amo. Todas as cicatrizes que me infligi e que me foram infligidas. Umas desapareceram, outras permanecerão comigo até ao fim. Ou até ao fim do fim.

"Para Todo o Sempre"
Cláudio Barradas e Chiado Editora

vivemos a sorrir

Sob as asas do vento
Vieste para mim
Recebi-te com alento
Só podia ser assim

Dia a dia num olhar
Entramos na emoção
Num suave e terno amar
Desfrutamos a ocasião

Tu e eu somos um só
Abraçamo-nos a sentir
Reduzimos a dor a pó
Vivemos a sorrir


"Sentimento em Si"
Cláudio Barradas e Chiado Editora

alcançamos

alcançamos quando conseguimos, chegar
chegar ao que queremos, ao que desejamos
quando temos, quando fazemos,
quando as nossas ações nos conduzem, ao fim
alcançamos quando não queremos
quando as nossas atitudes nos levam a um efeito, não desejado
sempre alcançamos, porque somos
porque fazemos e porque queremos, ou não
o alcance define-nos
define as nossas ações, a nossa postura
o que pretendemos e o que não pretendemos

Cláudio Barradas

terça-feira, 14 de novembro de 2017

precisamos de amor, precisamos de amar

Todos amamos. Está na natureza de todos os seres vivos o amor, o acto de amar. Amamo-nos a nós, aos outros, a objectos e a situações. Tudo é alvo do nosso amor e tudo o compõe.

O amor é lindo e o amor é tudo.

Aprendemos a amar desde aquele momento em que vimos ao mundo, em que abrimos os olhos e, sem o saber, procuramos o aconchego no peito da nossa mãe. E continuamos. Continuamos a amar e a aprender a amar, mesmo quando julgamos já ter aprendido tudo. Mesmo assim, aprendemos que o amor não tem limites, nem regras, nem metas. Se há conceito que assenta bem na eternidade, esse conceito é o amor. Não encontro paralelo. Quiçá na infinitude do espaço possamos encontrar algo análogo à infinitude do amor, quiçá.
Amamos, amamos e amamos e, quando estamos cansados de amar, procuramos algo diferente para... Amar. É de nós. É intrinsecamente de nós, o amor.
Comparo-o, inevitavelmente, às nossas necessidades básicas de sobrevivência. Tão importante como respirar, comer, beber, vestir. Amar é tão importante como tudo isto e, mais. Amamos a vida e por si, amamos viver. Respirar, comer, beber e vestir é viver, nada mais que isso, somente viver. São condições básicas da nossa humanidade. Assim é o amor.

"Eu aprendi, que tudo o que precisamos,
é de uma mão
para segurar e um coração
para nos entender."
(Shakespeare, William)



Tudo o que precisamos é de amor e de amar e de sermos amados. Vejo esta situação emocional como algo demais importante, como já defini. Vivemos sem comer? Não. Sem vestir, beber ou respirar? Também não. Pois também não vivemos sem amor. Seríamos uns espectros sem sentimentos, umas sombras indefinidas, pois o amor é a base de todo o nosso sentimento. Como humanos, temos os nossos sentidos. Uns mais apurados que outros. A visão, o olfacto, o tacto, o paladar e a audição. São estes sentidos que dão sentido à nossa existência. São estes que nos diferenciam uns dos outros. Nos tornam únicos, ímpares entre biliões de outros, como nós. Mas há algo bem mais profundo que nos caracteriza. Esse algo é o sentimento que habita dentro de cada um de nós. Há quem lhe chame a alma, há quem lhe dê outros nomes. Eu, designo este sentimento como o amor. É universal e único, tudo ao mesmo tempo. É o amor que nos define e nos caracteriza a todos, individualmente. E, é com base neste semi paradoxo que afirmo: tudo o que precisamos é de amor. Não de mais amor e não de menos, não de amar mais e não de amar menos, somente precisamos de amor, só assim.

"Para Todo o Sempre"
Cláudio Barradas e Chiado Editora

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

fantasia

Parece interminável a ânsia de chegar. Chegando, ofuscamo-nos na solidão da chegada. Sós e sem destino, ficamos absortos no local onde estamos e esperamos. É na espera, solitária, que acendemos a luz da nossa imaginação. Aqui, inebriados pela fantasia, sugamos a sua energia e nadamos nas suas ondas imaginárias. Fantasiamos sobre a vida, sobre a vida que não temos. Não necessariamente sobre a vida que desejaríamos ter, não sobre isso, apenas sobre a vida que não temos. Colorimo-la com cores inexistentes. Sorrimos. Sentimo-nos a chegar onde queremos sem sairmos do mesmo lugar. Nunca chegamos a chegar, na realidade, apenas fazemos questão de nos aproximar, imaginando, com o claro intuito de chegar, mas nunca acontece. Nunca nas nossas fantasias. Não desistimos. Continuo a imaginar, a fantasiar e a sorrir. Mais não sou que uma fantasista convicta, daquelas que fantasiam com tudo. Nunca chegando a lugar nenhum.
É precisamente o nunca chegar a lado nenhum que dá beleza ao que imaginamos. Por vezes imagino-me a imaginar, verdade. Imagino-me num local paradisíaco, só e a pensar sobre o que nunca fiz, locais que nunca visitei e sobre pessoas que nunca conheci. Que nunca conhecerei. Imagino-me a imaginar que eu não sou eu. Eu sou outra e vivo uma vida que eu não vivo. Não que a quisesse viver, imagino-me somente a vivê-la e como seria bom vivê-la.

Imagino as cores em todos os locais do mundo, como seriam diferentes. Imagino-me a pincelar o céu de azul, ou de laranja. De negro. Isto sim, isto é imaginar. Aproximo-me de tudo e de todos, como um ser omnipresente, quando imagino, quando solto as longas asas da minha imaginação. Apuro todos os sentidos, tornando-me numa super-humana, aguerrida e cintilante no escuro da vida.

Cláudio Barradas

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

um todo

Realizamo-nos na realidade dos acontecimentos, sorvendo a sua energia. Calibramos a respiração, quando nos realizamos, numa melodia singela, frutuosa e aromática. Fossemos um todo e sentiríamos este acontecimento como uma rebelião de esforços dos nossos íntimos desejos. Do nosso olhar de transvio. Em conluio, gritaríamos quem não somos, lutaríamos por quem não quer e faríamos nada. Só, nada. Um vislumbre de tudo, do todo. De nada.

Fossemos um todo e revolucionávamos a nossa vontade de sermos. A nossa pretensão de contrariar o nada, de o esmiuçar e reduzir a tudo, do nada. Fossemos um todo e singraríamos de todo e por todos, apenas para sermos, o que não somos. Um todo.

Cláudio Barradas

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

liberdade

Somos livres e ainda bem que assim acontece. Livres, para pensarmos sem obstáculos, para dizer as palavras que queremos e transformá-las nas frases que pretendemos. Somos livres até para fazermos o que nos apetece e quando nos apetece. Com quem nos apetece. Esta liberdade emana da nossa racionalidade enquanto pessoas civilizadas e imbuídas de espírito social.
Com a liberdade vem a responsabilidade da consciência, acompanhada pelo inequívoco respeito e, numa equação simples, com o usurpador silêncio. 
Somos responsáveis (pela nossa liberdade) em consciência e devemos ter sempre em atenção que a nossa liberdade tem limites. Tem fronteiras delimitadas pela aproximação aos que nos rodeiam. Termina sempre onde começa a liberdade dos outros. Sempre. Somos responsáveis pelo que pensamos, pelo que dizemos e escrevemos. Como o dizemos e como o escrevemos. Responsáveis pelo que fazemos, como fazemos, com quem e a quem fazemos. Temos de associar sempre esta consciência à nossa liberdade, com a cominação natural da perda do respeito. Desrespeitando os outros, damo-nos a essa falta de respeito e, como tal, somos desrespeitados. O respeito é um conceito bonito demais para ser desrespeitado. Esta redundância resulta em dor. Dor infligida e dor sentida. É sempre assim.

Cláudio Barradas

terça-feira, 7 de novembro de 2017

reflexo

Como uma força fútil, equilibramo-nos no rigor da vida. Passamos tempo a determinar o pré-determinado e a mitigar o factual passado. Corroemo-nos na divindade do inatingível. Nada mais somos que um espelho distorcido do que pretendíamos ser, se o soubéssemos. Mais não somos que uma transparência fosca de um raiar desvindo, de uma aura assimétrica aos nossos desejos. Um bocejo infinito tolda-nos a perseverança. Que não temos. Somos um reflexo de nós.

Cláudio Barradas